Crónica de Alexandre Honrado
27 de janeiro – e todos os dias!
Parece muito redutor afirmar que há um lado humano do bem e um lado oposto, desumano, do mal, como se fossemos peças de um jogo de apenas duas cores ou dois matizes, deslizando sobre quadrículas numa guerra quase infinita e sem regras, um jogo de demência e de dementes, onde cada um de nós se esquece, por vezes, de que pode ser muito mais do que um mero peão, um joguete, um carneiro para a degola, um indiferente.
Parece muito redutor este dualismo – o mal contra o bem e vice-versa – porque somos de uma sofisticação maior, seres entrelaçados e sofredores dos nossos caprichos e defeitos.
Em muita gente má há lampejos de bondade e entre os mais bonzinhos, diante de desafios concretos, quebram-se linhas invisíveis que separam a sanidade do descontrolo e é vê-los a empunhar as armas mais ao seu alcance – que podem ser as mãos crispadas, um punhal, uma pistola, uma ogiva nuclear – mais do que o destino é a ocasião que faz o assassino?
Continua a ser redutor e algo ingénuo este raciocínio. Bem e mal, como nos filmes antigos que passavam nos velhos cinemas dos nossos avós, são só duas rosas com mais ou menos espinhos no canteiro das nossas ruas e becos.
O carácter que consolidamos nas nossas formações individuais, guinda-nos ao que somos: indivíduos dignos ou criaturas abjetas. E na luta pela sobrevivência encontramo-nos do lado oposto das trincheiras.
Vem tudo isto à baila por causa das nossas eleições, onde figuras de opereta parecem encantar eleitores desencantados – e não há pior do que o flautista que encanta os ingénuos e os leva ao precipício, prometendo-lhes o paraíso feito do pior do inferno do passado. Mas vem isto também a propósito do dia 27 de janeiro, o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto. Passaram 76 anos da libertação do campo de concentração e de extermínio de Auschwitz-Birkenau, o mundo comemora com lágrimas já secas a derrota dos assassinos, sendo urgente hoje que, perante memórias diluídas pela distância, que todos saibamos, a começar pelos mais jovens, o que foi o Holocausto, para prevenir o genocídio e todas as formas de discriminação, que parecem regressar ao mundo como se o passado tivesse sido uma miragem. É preciso recordar. É preciso evitar o que mais envergonhou e enlutou o mundo. É preciso aceitar a esperança de um mundo melhor, onde se distinga bem o bem do mal, mesmo que isso pareça um aspeto… redutor. É que somos o que pensamos, o que sentimos, o que agimos – e não o que odiamos, embora haja que queira convencer-nos do contrário.
Obviamente votarei no futuro e não nos advogados insanos do passado que são o mal, que são nossos inimigos, que são os herdeiros saudosos desse passado de terror.
Alexandre Honrado
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